Entrevista com Dj Jorge Cuts
- comercial3318
- 1 de abr.
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Sou o DJ Jorge Cuts.
Meu primeiro contato com discos e música veio dos meus pais, que são músicos e colecionadores de vinil. Meu pai tocava sanfona – ou melhor, gaita, como chamamos aqui no Rio Grande do Sul – e minha mãe colecionava discos de vinil. Foi ali, por volta dos anos 80, que tive meus primeiros contatos com o vinil. Eu gostava de ver os discos girando no toca-discos e, na minha casa, havia discos de todos os estilos: samba, forró, funk, soul, groove brasileiro. Foi assim que surgiu minha paixão pela música e pelo vinil.
Meu contato com o Hip Hop veio através das minhas irmãs, que frequentavam os bailes black nos anos 80. Como sou o mais novo da família, acabei pegando esse conhecimento delas. Meu início no Rap foi ali por volta de 86, 87, quando minha irmã me apresentou "Corpo Fechado", do Thaíde. Aquilo foi transformador para mim. Eu nunca tinha ouvido nada igual. Me identifiquei de cara com a rima e quis entender como funcionava aquilo. Foi meu primeiro contato com o Hip Hop.
O desejo de ser DJ surgiu ao ouvir "Negro Limitado", dos Racionais MC's. No final da música, o KL Jay faz um scratch que me marcou. Peguei o disco, olhei e pensei: "Eu quero ser igual a esse cara!" Para mim, ele era o mais embaçado do grupo. Decidi ali que queria ser DJ. Em 92, tive a oportunidade de dizer isso pessoalmente para ele. Falei:
"Cara, você transformou minha vida em 92!" Foi uma conversa inesquecível.

Meu primeiro contato real com toca-discos veio na Zona Sul de São Paulo, mais especificamente em Interlagos. Tinha uma rapaziada do bairro que gostava de rap e queriam montar uma equipe de baile. Como naquela época as festas de família sempre tinham DJs, esse foi meu primeiro envolvimento sério com a profissão.
Sobre tecnologia, acho importantíssimo o uso do Serato, que permite que eu tenha todo o meu acervo em um computador, facilitando minha mobilidade. Mas a cultura do vinil é insubstituível. O vinil traz a experiência de pegar a capa, ler a ficha técnica, conhecer quem participou da produção, entender a história por trás da música. No streaming, isso se perde. Parece que a música se fez sozinha, sem produtor, sem engenheiro de som, sem arte gráfica. Para quem coleciona discos, esse formato é essencial.
Dois discos são extremamente importantes para mim. O primeiro é "Kraftwerk", que era do DJ Only Jay, um amigo do Rio Grande do Sul. Ele me vendeu esse disco em um momento de dificuldade. Até hoje tem a assinatura dele. Only Jay era uma das pessoas mais humildes que conheci, um cara que tocava com amor e que estudava profundamente o turntablism. O segundo é "Yancey Boys", do Illa J, irmão do J Dilla. Esse disco tem batidas recusadas pelo The Pharcyde nos anos 90 e é uma joia para quem gosta de produção.
Minha coleção tem cerca de 3.000 a 3.500 discos. Sempre que viajo para fazer um set, procuro lojas de vinil. Curitiba é um dos melhores lugares para garimpar groove brasileiro e funk soul a preços justos.
Sobre garimpo, estudo bastante os samples. O sample é um trecho de uma música usada para criar outra. Isso vem desde os primórdios do hip hop, com Grandmaster Flash manipulando os breaks para os MCs rimarem. Hoje, com a tecnologia, os beatmakers criam verdadeiras obras-primas. No Brasil, destaco DJ Zegon (do Tropkillaz), Laudz e Dj Cia. No exterior, J Dilla, DJ Premier e Pete Rock. Pra mim, esses são os caras sensacionais. Eu poderia citar muitos outros, mas esses aí são os que eu passei muito tempo da vida escutando, estudando as produções e tentando entender como eles faziam aquele tipo de música.

Às vezes, os samples que eles usavam eram tão trabalhados que não dava nem pra reconhecer de onde vinham. Quando descobri isso, através de estudos, pesquisas e analisando fichas técnicas dos discos, percebi o quanto isso ajudava.
Muitas vezes, nos próprios discos, por conta da necessidade de pagar pelos direitos dos trechos usados, eles indicam a origem do sample, o nome da música e a banda original. Várias vezes, só de olhar um disco, já consegui identificar de onde veio um som e pensei:
"Putz, olha só, foi dessa banda aqui!"
Aí vem a segunda parte do processo: depois de descobrir a banda, eu preciso encontrar esse disco. Essa é a parte mais da hora do garimpo. Eu nunca entro numa loja com um disco específico na cabeça. O barato é ver o que eu vou encontrar no meio daquela pilha.
E o garimpo vai além dos samples. Às vezes, eu descubro um músico que me chama atenção e penso:
"Esse baixista aqui é foda, mas eu não conheço essa banda".
Ou então vejo que um produtor trabalhou num disco e já fico ligado. O próprio selo da gravadora também é um indicativo. Se é de um selo que só lança coisa boa, já sei que ali tem coisa interessante. Outra coisa que levo em consideração é o ano do disco. Entre os anos 60 e 70, saiu muita coisa pesada de funk, soul e música groove, tanto no Brasil quanto no mundo todo. Essas são as minhas décadas favoritas pra garimpar.
Sobre discos de rap, eu não tenho disco que eu não gosto. Se eu compro, é porque ou vou usar ou gosto muito da música. Mesmo que não toque ele nas festas ou eventos, eu mantenho porque curto a banda ou o som. No fim das contas, a música me proporciona muita coisa da hora.
Enfim, a música me proporciona muita coisa, inclusive financeiramente, mas eu tenho outra fonte de renda. Tenho um trabalho formal, CLT, e tem um motivo para isso. Eu sou um cara que, dentro da música, gosto do lado B, e para quem toca esse tipo de som, o mercado é bem menor. Já tentei viver só da música e passei por muitas dificuldades, muitos apertos.
O trabalho CLT que eu tenho hoje me proporciona algumas folgas, o que me permite viajar no meio da semana. Por exemplo, se preciso fazer uma viagem de três dias, consigo essas folgas sem problema. Então, pra mim, esse formato se tornou confortável. Além disso, tem a questão ideológica. Eu tenho um limite sobre o que eu toco. Tem certas coisas que eu simplesmente não toco. Não é questão de certo ou errado, só não é pra mim. Se tem outro DJ que toca um som mais comercial porque quer viver disso, eu respeito. Cada um tem o direito de escolher o seu caminho.
O caminho que eu escolhi foi esse: manter meu trampo CLT e levar a música junto. Já estou há 12 anos nessa rotina e dá super certo. Consigo ajudar minha família, ter uma vida confortável, comprar meus discos, investir em equipamento e ajudar alguns irmãos. Então, a minha sobrevivência não vem só da música.
Estar em Bento Gonçalves hoje é muito importante pra mim. Acompanho a Nest Panos há anos e sempre quis fazer algo com eles. Já tentamos fazer algo numa feira, mas por conta dos custos, não conseguimos viabilizar. Como eu não moro aqui, ficou complicado. Mas desde o ano passado, venho conversando com o Will. Fizemos algumas fotos, ele me apoiou com alguns produtos da Nest, e isso fortaleceu nossa parceria. Eu sempre admirei o que eles fazem, as oficinas, os eventos com DJs e b-boys.
Eu queria ver de perto como tudo isso acontecia. Agora estou aqui no Museu, nesse espaço incrível, participando do evento e conhecendo mais da cena local. Sei que foi uma luta pra chegar até aqui. Não foi uma coisa que aconteceu de uma hora pra outra, foram várias reuniões e conversas até esse evento sair.
Estar aqui com essa rapa toda, com a equipe da Nest e o Will, é uma experiência que vale muito pra mim. Espero poder contribuir mais com os eventos na cidade, ocupar mais espaços e fortalecer o Hip Hop através da música, da dança e do graffiti. Espero voltar em breve!
Você pode conferir o vídeo completo no nosso Youtube.
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